A GRANDE FEIRA

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Por Arthur Dias

“… A feira vai ser engolida pelos tubarões. A Grande Feira vai acabar!”

Poeta Cuíca de Santo Amaro

 

A grande feira conta a história da hoje extinta feira de Água de Meninos e a luta dos feirantes que se organizam contra um futuro despejo. Conduzem a fábula o marinheiro Ronny (Geraldo Del Rey) com seus dois amores, Maria da Feira (Luíza Maranhão) e Ely (Helena Ignez), moça casada da alta sociedade. Ricardo (Milton Gaúcho) é um receptor de cargas roubadas e Chico Diabo, ladrão extremista que quer botar fogo na feira, interpretado por Antônio Luiz Sampaio, reconhecido mais tarde como Antônio Pitanga.

O diretor da obra é Roberto Pires, um dos grandes precursores do cinema na Bahia, ao lançar o primeiro longa-metragem do estado, Redenção (1959). Neste período identificado como Ciclo Baiano de Cinema, teríamos mais dois filmes lançados por Roberto, A grande feira (1961) e Tocaia no asfalto (1962).

Roberto Pires dividiu-se como diretor e produtor pela Iglu Filmes – produtora que alavancaria a produção cinematográfica baiana. No restante das horas, ocupava-se captando recursos para os seus filmes e o dos amigos cineastas, que também produziam pela Iglu. Não escondia sua preferência pelos filmes policiais, e não tinha por que esconder isso, mesmo quando criticado por adotar um gênero que poderia trazer reflexões consideradas rasas quanto à realidade brasileira .

Pires adotava uma narrativa clássica, própria do cinema norte-americano, mas se utilizava do espaço físico real, a locação a ser gravada sendo uma cidade, bairro ou uma rua baiana. E exatamente por não tentar recriar esses espaços em um estúdio, também pela história do filme e seus personagens se tratarem da marginalidade urbana, dialogava com os primeiros preceitos do que seria a estética do cinema novo, que pretendia mostrar o brasileiro pelo olhar brasileiro: a estética da fome.

A música do filme, de Remo Usai, é muito bem utilizada para ambientar e separar os espaços, quando se é feira e seu cotidiano e o restante da narrativa que se segue. Além de amarrar bem os momentos de tensão pela trilha sonora, a fotografia do filme feita por Hélio Silva mais uma vez é diferenciada; sua primeira dobradinha com Roberto foi em Redenção. Vale lembrar também que o câmera é Waldemar Lima, fotógrafo de Glauber Rocha em Deus e o diabo na terra do sol.

Em entrevista, Glauber Rocha revelou que certa vez escutou uma história de um capoeirista lá da feira de Água de Meninos. Conta a resenha toda a Rex, que era o produtor e roteirista, e a Roberto Pires, sobre uma tal de Maria da Feira, um marinheiro gringo e um Chico Diabo. Começam opiniões de um lado, que esse marinheiro deveria ser sueco, Geraldo Del Rey loiro ia ficar ótimo como personagem. Essa Maria tem a cara de Luísa Maranhão. E Chico Diabo? Não deveria ser outro, se não Antônio Pitanga – escolhido depois de ótimas atuações em Bahia de todos os santos e Barravento.

Um marinheiro revolucionário, vindo da Suécia e que foi ferido por navalhadas em meio à praça; uma mulher vivida da feira que trabalha no bordel; de relacionamento com Chico Diabo, ladrão de ideias radicais. Personagens recorrentes da feira, marginalizados e populares paralelos por um núcleo das high-society – instigada pela personagem de Helena Ignez – que começam a freqüentar o cabaré do Zazá, vendo no exótico uma fuga excitante de suas vidas monótonas. O marginalizado a ficar “pop”. Todo um roteiro construído a partir dos personagens desse canto do mundo bem peculiar.

Foi o quarto longa-metragem baiano. E os críticos ainda esperavam um filme que trouxesse mais da Bahia vista no dia-a-dia para as telas. A expectativa era grande para que a feira do filme trouxesse mais uma feira baiana. E, ao final, a crítica reconhece o quanto Roberto manteve uma postura coesa, não fazendo mais um filme lúdico para que o estrangeiro saboreasse as paisagens e o exótico, mas que transcreveu na tela de cinema a atmosfera dos feirantes, num intuito de passar ao espectador qual a legítima sensação de se atravessar e viver nas vielas de A Grande Feira.

Como diziam os realizadores, A Grande Feira era a própria cidade, uma “crônica amarga” de Salvador.