JEANNE DIELMAN, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975)

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Por Ian Gadelha

Jeanne Dielman é um filme singular na história do cinema. É o filme do rigor, da expansão máxima dos pequenos gestos, do vazio, da repetição obsessiva e também, em menor grau, da diferença. Basta os primeiros minutos pra perceber que se está diante de um regime cinematográfico diferenciado; a trama é rarefeita e pouco sabemos sobre a personagem (se não fosse o título do filme, mal saberíamos seu nome, que só é dito duas vezes ao longo de todo o filme). Os planos são sempre fixos e rigorosos e as ações buscam esgotar o tempo; trata-se do efeito de experimentar a própria duração do plano. É justamente esse rigor, essa experiência da repetição e da duração onde o filme encontra sua força maior, sendo seu princípio estético chave.

Esse efeito de expansão é aliado a uma trama mínima. Acompanhamos Jeanne lavando a louça, arrumando a cama, tomando banho, fazendo comida, tomando café, andando de um lado para outro em seu apartamento. A ideia aqui é exceder, ir além do óbvio. Eis a estratégia escolhida por Chantal Akerman para retratar sua personagem. Trata-se de uma estética minimalista e seca, onde menos é mais: não há música extradiegética, os diálogos são escassos, os planos são quase sempre os mesmos, com pequenas variações, e os ruídos entram apenas para minimizar o peso estarrecedor do silêncio. Curiosamente, a sensação não é de tédio, mas de incômodo. E é aqui que entra a diferença. Cada variação de sua rotina é um forte elemento dramático, sinalizador da situação interna da personagem. Um café jogado fora, um pente caindo – é a expansão dos pequenos gestos – acompanhada de uma leve variação do plano, um outro ponto de vista daquele mesmo ambiente em que se passa a maior parte do filme, ou seja, a diferença.

As escolhas estilísticas do filme combinam perfeitamente com o conteúdo dramático. A imobilidade do plano, a duração do plano, suas variações de enquadramento, a trilha sem música e com pequenos ruídos; todos esses elementos trabalham conjuntamente para a construção da personagem Jeanne Dielman, para a criação de seu mundo: um mundo imóvel, repetitivo, rigoroso e vazio, onde se espera algo que só virá depois de três horas, no final do filme.

Chantal Akerman é, de certa forma, filha da nouvelle vague, tendo aí grande influência. Mas possui também uma forte ligação com o cinema experimental (especialmente o norte-americano) sendo um ponto de encontro entre as duas tendências, o meio termo entre o narrativo e o estudo formal do espaço e do tempo. O filme se alinha também a um eixo temático importante do cinema moderno: o vazio da vida burguesa, temas trabalhados especialmente pelos italianos, como Fellini ou Antonioni. Mas aqui, Chantal Akerman opta por uma estética inovadora e por um ponto de vista particular, que é a condição da mulher nessa sociedade burguesa – uma perspectiva feminina e feminista da questão. Tudo isso transformado em um verdadeiro exercício de austeridade e rigor.

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