Encerrando o quarto dia da mostra Competitiva Nacional, o Panorama trouxe a Cachoeira uma seleção de três filmes de diferentes regiões do país com histórias introspectivas de protagonistas inquietos em busca de agência em suas vidas. O primeiro deles foi o curta O Delírio é a redenção dos aflitos (dir.: Fellipe Fernandes. 17’). Nele, Raquel (Nash Laila) e sua família são os últimos moradores de um prédio em Olinda prestes a desmoronar. Sob a pressão da iminência do perigo, ela começa a manifestar reações psicossomáticas aos estresses do dia a dia. Exibido na Semana da Crítica de Cannes em 2016, mostra paralela ao festival, limitada a poucos títulos e dedicada apenas ao primeiro ou segundo filme de seus realizadores, o curta de Fernandes – que também trabalhou como assistente de direção de Aquarius, selecionado para competição pela Palma de Ouro deste mesmo ano – possui uma boa noção das restrições espaciais nas cenas dentro da casa, assim como um bom ouvido para os diálogos do cotidiano. Destaque especial para Nash Laila, que soube navegar muito bem no ritmo crescente da história, da impaciência à explosão à aparente serenidade.
Redirecionando o olhar para outra protagonista aflita, mas desta vez em Belo Horizonte, a programação segue com Estado itinerante (dir.: Ana Carolina Soares. 25’). Lira Ribas (vencedora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília) é Vivi, recém-contratada como cobradora por uma empresa de ônibus e sufocada dentro de sua própria existência – muito habilmente evidenciado pelo figurino, no constante uso de roupas com mangas longas e grudadas ao corpo por baixo da camisa da personagem. O filme não dá nome para a inquietação de Vivi, mas deixa bem claro – pelo áudio do telejornal noticiando mulheres agredidas, pelas humilhações que a personagem passa por conta do motorista com quem ela trabalha e pelos momentos em que ela se encontra com outras cobradoras, finalmente se sentindo mais aliviada – que se trata de uma parábola sobre opressão de gênero.
O último filme da noite foi o longa gaúcho Rifle (dir.: Davi Pretto. 88’), produto de uma inspiração vinda de Abbas Kiarostami (pela subversão de um aparente naturalismo) e John Ford (pelo subtom de faroeste). O filme assume o ponto de vista do sisudo Dione (Dione Ávila de Oliveira), um homem do campo que parte para a violência com o objetivo de defender seu espaço dos avanços modernos sobre a vida rural. O diretor, Davi Pretto, retorna ao Panorama – onde o seu primeiro longa, Castanha, também foi exibido, em 2014 – e parabenizou a iniciativa do festival de trazer filmes nacionais com projeção em alta qualidade para o interior. Ele respondeu a perguntas sobre as suas influências, a elaboração de set pieces que mesmo com dublês e pirotecnia não quebram a unidade visual estabelecida para o filme, o premiado trabalho do som e sobre comparações temáticas com Aquarius. Com relação à última, ele apontou que esse tipo de observação já tinha sido feita por outras pessoas, mas que ele enxerga uma importante distinção entre os filmes: que a luta de Clara, a personagem de Sônia Braga no filme de Kleber Mendonça Filho, é para a preservação de um espaço dito “qualificado”.
Outra importante distinção que vejo é que, enquanto Aquarius preenche muito bem suas quase duas horas e meia com a vida interna e externa de sua protagonista, os pouco menos que noventa minutos de Rifle parecem bastante inflados. Ao se apoiar demasiadamente nos planos abertos e silenciosos dos pastos – sempre enquadrando os personagens à distância, o mato alto e uma ocasional árvore – para manifestar a sinergia entre protagonista e o espaço bucólico, o diretor acaba apenas replicando cacoetes cansados de slow cinema, estereotipando o próprio movimento de parecer genuíno.