Por João Marciano Neto
No melhor estilo suspense, Aly Muritiba nos agracia com Para minha amada morta, um filme cuja construção joga com a tensão e a expectativa num roteiro bem fechado a níveis próximos aos de O lobo atrás da porta. Com a conveniência de ter sido exibido em Cachoeira justamente no Dia de Finados, Para minha amada morta é uma trama de luto que flerta com o desejo de vingança ao acompanhar um viúvo que acaba de descobrir que a mulher o traía e, numa jornada masoquista, descobre o paradeiro do amante e se infiltra no lar do mesmo. Com um elenco afinado e um estilo de iluminação herdada do curta Tarântula, também de Aly, o filme surpreende ao conseguir adiar e negar o aguardado em favorecimento de um crescendo emocional que em inúmeros momentos dispensa qualquer diálogo profundo, ou melhor, que no ápice se revela independente de qualquer fala, de qualquer palavra. A precisão dos atores é tão fundamental quanto o rico jogo de cores que compõe o quadro. Aly trabalha com o fundamental, sua ficção não caí no exagero e seu realismo imaginário conta com uma força psicológica difícil de se encontrar dentro da filmografia nacional. Inegavelmente se trata de uma obra merecedora da atenção do espectador, tanto o mais refinado quanto o que apenas espera consumir um bom filme de caráter mais comercial.
Trabalhar com ficção, mais precisamente com gênero cinematográfico no Brasil, é muito complicado. Partindo do princípio de que o país não possuí este hábito de produção e que nosso repertório pessoal se limita a poucos autores mais ousados, podemos arriscar dizer que Aly Muritiba conquista uma vaga especial no suspense e terror nacionais com os devidos méritos. Tanto Tarântula quanto Para minha amada morta vestem sem menor receio ou hesitação tal rótulo e se apresentam com uma qualidade admirável. Quem não tem familiaridade ou simpatia por este estilo de filme certamente terá suas ressalvas, mas o longa em questão surpreende com sua moderada “não gratuidade” e o mosaico emocional que nos angustia e nos ameaça com frequência. Certamente não se trata de uma obra canônica cuja idolatria cega-nos para os defeitos e opiniões contrárias. Enquanto uns admiram a estratégia de suspensão da concretização violenta, ou simplesmente física, da vingança, outros podem enxergar certa covardia em assumir aquilo que é incitado repetidamente. Uma leitura em defesa da primeira linha de pensamento é justamente compreender que o protagonista em determinada instância acaba alimentando decorrentemente o desejo de usurpar a família do amante para si em meio ao processo de seu possível plano de destruir aquele ambiente familiar, porém somos frustrados com a transferência da agonia e o luto que este carrega diretamente para o amante. O que tinha tudo para ser uma história padrão de vendetta se converte numa complexa partida psicoemocional. A cura do protagonista é o abalo avassalador do amante, a ruína de sua aparente estabilidade.
Para minha amada morta abre uma série de possibilidades e mais uma vez reforça o discurso de que é possível fazer cinema de gênero num país como o Brasil, bons filmes de gênero, não se limitando ao suspense-terror que rondava entre São Paulo, Espírito Santo, e agora parece ter despertado também no Paraná. Mais propostas como esta deveriam ser apoiadas e terem maior visibilidade, principalmente quando se domina a linguagem e se apresenta um enredo de peso. Sem dúvidas existem várias formas de se trabalhar o roteiro de Para minha amada morta, todavia é difícil imaginar que alguma delas obtivessem o mesmo impacto e eficiência que esta. Mais que um deleite para os olhos, um exercício prazeroso de tensão e de leitura.