É APENAS O FIM DO MUNDO

Há sete anos, o franco-canadense de, na época, 20 anos, Xavier Dolan, estreava na direção de longas com o semiautobiográfico Eu matei minha mãe, um come of age marcado pela maneira furiosa que Dolan, que também é o ator principal do filme, se expõe emocionalmente para sua própria câmera – expressão autoral genuína para alguns, narcisismo geracional para outros tantos. Desde então, Dolan realizou mais cinco filmes, dois deles protagonizados por ele mesmo, afinando a cada novo projeto a sua assinatura: os conflitos familiares, protagonistas queer, fotografia impressionista, discussões à flor da pele e videoclipes como forma de descompressão da narrativa.

Todos esses elementos estão presentes no seu mais recente, É apenas o fim do mundo, que adapta a peça teatral homônima de Jean-Luc Lagarce na qual Louis (Gaspard Ulliel), um escritor com uma doença terminal não dita, visita a sua família (Marion Cotillard, Vincent Cassel, Léa Seydoux e Nathalie Baye), depois de 12 anos sem vê-los, para anunciar a sua morte. O filme se desenvolve em torno de Louis tentando se reconectar com seus parentes, ao mesmo tempo que redescobre todos os motivos pelos quais o levou a se afastar deles.

Em seu filme anterior, Mommy, a radicalização da forma pela atípica redução do quadro para 1:1 impunha brutalmente a atmosfera emocional pretendida sobre o público, literalmente forçando a empatia com as inquietações dos personagens em um nível quase inteiramente racional tamanha falta de sutileza. Desta vez, o jogo formal está em traduzir a superficialidade da interação de Louis com sua família distante e a ausência da perspectiva em mudar essa situação através de composições de espaços rigorosamente planos. No entanto, erros anteriores do cinema de Dolan também se repetem em É apenas o fim do mundo: suas ideias e intenções ficam bem claras, enquanto que seus roteiros geralmente carecem da dramaturgia necessária para acompanhar suas ambições.

Sendo assim, os seus diálogos sempre acabam recorrendo a gritarias que servem mais para pontuar a incompatibilidade entre seus personagens do que realmente construir algum momento ou transmitir uma informação sobre a relação entre eles. Em É apenas o fim do mundo, essa característica do seu cinema é acentuada negativamente pela maneira quase autônoma que esses diálogos geralmente são encenados, pulando de um close-up para o outro, isolando as atuações que às vezes parecem inorgânicas no conjunto da cena.

Talvez por isso Dolan se dá melhor na construção dos momentos musicais em seus filmes, onde a relação frouxa da narrativa com a montagem faz mais sentido do que nas partes que seguem o modelo de narrativa tradicional e ele não precisa escrever uma linha de diálogo. Sua marca autoral com esses videoclipes é a de representar os raros momentos livres de seus protagonistas, mas também a do próprio filme que aproveita para se liberar das restrições impostas pela direção. Mesmo sem a criatividade da expansão da razão de aspecto presente no videoclipe de “Wonderwall” em Mommy, Dolan traz esse recurso em É apenas o fim do mundo com uma melhor justificativa dentro da trama, relacionando os videoclipes com as memórias felizes de Louis, assim como a mais bem-sucedida relação empática dentro da sua filmografia: quando a música termina, filme, público e personagem voltam a contragosto à opressividade caricatural do espaço-tempo diegético característico do diretor.

Essa realização, aliada à declaração feita por Dolan, após a primeira exibição pública do filme no 69º Festival de Cannes, de que É apenas o fim do mundo é o seu “primeiro [filme] como um homem”, pode indicar que o enfant terrible pode ter maturado em um autor de art house perverso, desses que cativam, controlam e torturam o seu público. Ou apenas que ele tenha se aperfeiçoado na técnica de deixar um pouco de lado suas ideias mal desenvolvidas e seus diálogos mal escritos para nos mostrar como ele tem bom gosto musical.

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