CRISIS IN SIX SCENES

Por Matheus Leone

Quando indagada “por que TV e por que agora?”, a diretora americana Ava DuVernay (indicada ao Oscar pelo filme Selma em 2015 e que este ano lança seu primeiro produto em formato televisivo, a série Queen sugar) respondeu: “porque é a era de ouro da televisão e eu quero participar”. Os motivos variam, mas a inserção de diretores de cinema durante esse período de exponencial valorização da TV pelo público e crítica, muitas vezes em detrimento do próprio cinema, se tornou uma realidade dentro da tomada de consciência da televisão como um espaço para conteúdos com narrativas de prestígio. Trata-se de um movimento relativamente recente e até pouco tempo autores do calibre de Martin Scorsese, David Fincher e James Gray davam-se por satisfeitos apenas emprestando suas grifes estéticas para projetos que seguiam em frente sem a participação deles, basicamente dirigindo o primeiro episódio. No entanto, nota-se uma mudança no paradigma, pois hoje o “selo de autenticidade cinematográfica” parece possuir pouco peso para as emissoras e plataformas de streaming sem que a série realmente seja um produto autoral daquele diretor que elas estão contratando.

Em oposição a todo esse cenário, mas ainda preso às condições inerentes a ele, surge Woody Allen com “Crisis in Six Scenes”, uma minissérie em seis episódios com pouco mais de 20 minutos cada, escrita e dirigida por ele para a Amazon Prime (maior concorrente da Netflix no quesito conteúdo original para internet nos Estados Unidos, ainda indisponível no Brasil).

Ambientada nos anos sessenta, “Crisis in Six Scenes” traz o próprio Allen como o escritor de romances fracassados Sid que vai trabalhar como escritor de sitcom na televisão – uma arte menos nobre, segundo o personagem. Ele vive pacatamente no subúrbio de Nova York com a esposa, a psicóloga Kay (Elaine May), completamente removidos das mudanças sócio-políticas pelas quais o país estava passando, até que são circunstancialmente levados a abrigar a militante comunista Lennie Dale (Miley Cyrus) que está fugindo da polícia. O humor surge principalmente dos conflitos envolvendo a imposição de Lennie na vida de Sid e do casal de nova-iorquinos liberais reavaliando seus posicionamentos após o advento de uma ativista radical de esquerda em sua casa, levantando uma discussão, infelizmente, muito preguiçosa sobre política e conformismo.

Como a maioria da filmografia recente do diretor, tudo aqui parece meio requentado de filmes anteriores e apenas a relação de Lennie e Sid representa alguma mudança dentro dos padrões estabelecidos por ele ao longo de sua carreira: desta vez é a garota que está na função de doutrinadora ao invés do homem mais velho – mas não sem que Allen reserve alguma dignidade ao personagem que interpreta, seja pela maneira indulgente que sua escrita trata personas neuróticas, seja por Lennie ser pouco mais que uma coleção de frases prontas operando no automático.

O produto final é bastante resistente ao seu formato – na prática, é a sua típica comédia de uma hora e meia dilatada em 144 minutos e cortada em seis partes iguais que não funcionam como unidades –, ao mesmo tempo que mantém o modelo antigo de restrição espacial de uma história para a TV – quase toda a ação se passa dentro da casa. Porém, todos esses problemas foram antecipados quando, na sua vez de responder às perguntas de praxe feitas a todo autor de cinema que está se aventurando na telinha, Woody Allen categoricamente assumiu que foi a insistência da Amazon Studios (que também distribuiu seu último filme para o cinema, “Café Society”) e o dinheiro oferecido a ele que o motivaram. Ele também confessou que não sabia o que era a plataforma para a qual ele estava criando, assim como estar sem ideias para lidar com as imposições do projeto. Ainda que outros pejorativos se apliquem, ninguém pode acusá-lo de desonesto.

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