COBERTURA CACHOEIRADOC OITAVA EDIÇÃO

QUARTO DIA – MOSTRA COMPETITIVA

Por Bárbara do Carmo

Cachoeira, 09 de setembro de 2017, 14 horas. Em frente ao CineTheatro Cachoeirano, uma massa de pessoas se reúne. É a última sessão da Mostra Competitiva do CachoeiraDoc e se trata de uma estreia. Os assentos foram rapidamente ocupados e, durante os primeiros minutos do filme de Marcelo Pedroso, mais pessoas chegavam acomodando-se nos degraus, no chão, encostando-se nas paredes. Durante a uma hora e quarenta minutos do longa-metragem, poucos foram capazes de se mover. O público permaneceu estático enquanto éramos apresentados aos membros do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco durante seu dia-a-dia, seu treinamento e suas memórias.

Trata-se de um filme delicado. Talvez, para aqueles de posicionamento mais inflamado, delicado demais. Como humanizar uma máquina de violência? Como simpatizar com pessoas que insistem em declarar que, apesar de cidadãos, irão restabelecer a ordem não importa o quão injusta seja? Conhecer o rosto escondido por baixo da viseira é um desafio e olhar por que não? por trás da linha de escudos é incômodo, algumas vezes assustador. É difícil destacar um sentimento prevalecente ao ouvir a forma apaixonada com qual uma policial descreve seu treinamento envolvendo exposição à gás lacrimogêneo e táticas de manipulação psicológica e emocional. É difícil manter-se calado enquanto ouve um capitão declarar que “apenas baderneiros entram em conflito com a polícia”. Difícil, sim, porém igualmente fascinante.

Por Trás da Linha de Escudos veio como um ponto final numa narrativa de lutas que fora a seleção para a Mostra Competitiva da oitava edição do CacheiraDoc. Após termos sido apresentados às lutas de comunidades indígenas, LGBTQ+, moradores de rua e cidadãos da periferia é inesperado, para se dizer o mínimo, sermos colocados do ponto de vista daqueles que são vistos como vilões sem rosto e sem consciência, o braço armado do Estado. Talvez seja este o maior trunfo da curadoria do festival, Por Trás da Linha de Escudos se destaca de tal forma de seus competidores que torna sua escolha como o último filme apresentado tão óbvia quanto acertada.

É impossível também não evocar memórias da edição anterior do festival, mais especificamente, ao longa de Vladimir Seixas Vozerio. Apesar de apresentar os exatos opostos durante conflitos de manifestantes versus Batalhão de Choque, as cenas gravadas em meio a verdadeiros cenários de guerra conversam entre si de tal maneira que seria fácil confundir um filme com o outro. Talvez, temendo este “lugar comum”, Marcelo Pedroso intercala cenas de confronto com as falas dos policiais de choque, nos lembrando sempre que apesar de já conhecermos a história, o narrador é outro.

Durante o debate, muitas questões sobre a humanização do Batalhão conhecido por sua brutalidade foram levantadas. Marcelo Pedroso respondeu a todas elas com o mesmo tom cuidadoso, afinal, o limite entre sua vivência e compreensão dos policiais e a apologia da violência estatal era tênue. O público deixou a sala de cinema claramente dividido, comentários sobre as atrocidades praticadas por policiais diariamente, tentativa de imparcialidade dos realizadores e até mesmo os privilégios de Marcelo como um homem branco foram pautados durante as conversas pós-sessão em frente ao CineTheatro. Este, porém, é o maior triunfo de Por Trás da Linha de Escudos. É um filme impossível de não se falar a respeito.

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