TERCEIRO DIA – MOSTRA COMPETITIVA
Por Flávio Reis
Em Elas Continuam Lutando, (De: Viny Psoa e Lívia Perez, São Paulo, 2017, 22min) Elisangela Silva, Carmen Benedita e Gina Souza deram vozes aos moradores da Ocupação Pinheirinho, uma comunidade desenvolvida num terreno pertencente ao empresário Naji Nahas, desocupada em 2012 por uma ação questionável da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
A comunidade se estabeleceu na zona Sul de São José dos Campos, berço do sindicalismo paulista. Com cerca de 1.500 famílias, forças polícias apoiadas por uma liminar estadual passou por cima de uma liminar federal que suspendeu a desocupação.
Um clima de terror tomou as ruas da comunidade Pinheirinho. Carmen Benedita contou que uma mulher segurando um bebê de seis meses corria pelas ruas do bairro. O bebê tremendo por conta das bombas e do gás lacrimogênio veio a falecer dias depois da desocupação.
O terreno voltou a ser um matagal, e para os ex-moradores da comunidade, ficou a sensação de justiça ausente. O filme ainda apresenta a especulação imobiliária que tomou conta das regiões próximas a Pinheirinho. Pedidos de calção de três meses, aumento do aluguel em níveis absurdos e o pagamento de um auxílio aluguel que sequer cobre sua função foram os saldos da desocupação, além, é claro, todo o trauma causado pelos dias de guerra nas ruas do bairro.
“Recebemos ordem para matar quem não sair daqui de dentro” – disse um policial para uma das moradoras que tentava, sem acordo, diálogo. A ação truculenta da polícia ainda é questionada, e aos ex-moradores um espírito de luta por justiça social eclodiu na forma de grupos de resistência urbana.
O filme começou com um retroescavadeira destruindo uma casa e encerrou com um silêncio incomum na plateia, que permaneceu imóvel durante os créditos.
Já em Mataram nossos filhos ( De: Susanna Lira, São Paulo, 2016, 71 min) um dos maiores massacres da história do Brasil, com cerca de 600 mortos (possivelmente mortos por um grupo de extermínio formado por policiais militares), toma forma através dos relatos das “Mães de Maio”.
O dia das mães ganhou um novo sentido para as famílias de todos os jovens mortos por um grupo de extermínio que atual em várias cidades do estado de São Paulo.
O filme apresentou um relato chocante. Dentre todas as histórias horríveis contadas pelas “Mães de Maio”, a de Ana Paula chama atenção pela frieza do assassino.
Ana Paula saiu de casa com o namorado, com quem morava junto, para comprar leite numa padaria próxima de casa. Um carro começou a dar voltas na frente da padaria por alguns minutos. Homens encapuzados saíram do carro atirando. O namorado de Ana Paula foi ferido no braço. Ela se colocou na frente para defender o rapaz, mas foi segura com uma gravata no momento em que arrancou o capuz do assassino. Era um conhecido dela e mesmo com os gritos do rapaz pedindo para que ela fosse poupada por estar grávida, o assassino mirou na cabeça de Ana Paula, atirou, olhou para ele e disse: “Não está mais!”
O namorado de Ana Paula foi alvejado por trás com vários tiros e a testemunha do caso, o dono da padaria, foi morto dias depois de contar a histórias aos parentes de Ana Paula.
Esse festival de horrores produzido por criminosos, em retaliação a morte de policiais, foi abafado pela Copa do Mundo de 2006. O Brasil institucionalizou uma média de morte de jovens que não causa só medo e vergonha, causa indignação por não trazer à justiça os criminosos, sejam eles civis ou policiais.
A cada relato das “Mães de Maio” a plateia parecia mais e mais chocada com toda a dor produzida, mas também indignada por saber que, além da dor de enterrar os filhos, essas mães ainda precisam provar que foram vítimas do Estado.
“Quem estiver na rua é inimigo da polícia”, disse um policial para uma mãe antes do rapaz ser morto. Ele havia ido à casa da mãe para pegar um remédio, já que as farmácias, assim como todo o comércio, estavam fechados.
É um filme difícil de assistir, mas ainda mais difícil é imaginar que essas mães ainda buscam por justiça, sem ter ao menos o respaldo do Estado de que um dia os criminosos serão punidos.