Por Giovane Alcântara
PANORAMA BRASIL II
Chego no CineTheatro Cachoeirano antes da sessão das 17h. Confesso que estava indiferente em relação ao filme que iria passar no Panorama Brasil II e pouco me importava se ele seria bom ou ruim. A sessão está vazia; pouquíssimas pessoas assistem a Histórias que nosso cinema (não) contava, um documentário dirigido por Fernanda Pessoa, que, com humor da pornochanchada, remonta a história de um Brasil que vive no período da Ditadura Militar.
O filme é construído com uma dinâmica que, nesse caso, funciona muito bem. Fazer o recorte do gênero mais produzido e consumido da década de 70 e associar a problemas e surgimentos de novos valores e movimentos conseguiu me prender do início ao fim, e os 80 minutos do documentário passaram tão rápidos que nem me dei conta.
Fernanda traz a tona como o gênero das pornochanchadas é um passado real do cinema brasileiro e, como esses filmes não são valorizados, tanto na memória do espectador quanto para o próprio cinema em si, e relembra como é importante eternizar essas produções que fazem parte da história cinematográfica do país.
Fernanda faz um trabalho impecável, que, além de divertir, consegue se explicar sem ser didático, ainda assim Histórias que nosso cinema (não) contava, se analisado mais profundamente em sua construção narrativa, pode ser associado a outros momentos político, econômico e social do País, que como um ciclo se repete.
PANORAMA BRASIL V
Desde o Cachoeira.doc, tenho lido e pensado muito sobre a representação do corpo negro no cinema. Confesso que quando vi Vazante (Dir:. Daniela Thomas. 116’) na programação do XIII Panorama fiquei feliz, afinal, eu teria a chance de assistir ao tão polêmico filme de Daniela Thomas, ovacionado no Festival de Berlim e extremamente criticado no Festival de Cinema de Brasília desse ano. E eu consegui entender o porquê.
O filme conta a história de Antônio, que depois de descobrir que sua mulher morreu em trabalho de parto, casa-se com Beatriz, uma garota de 12 anos, que frustra os seus planos de ser pai. Entre idas e vindas de Antônio para a negociação de gados e escravos, Beatriz, sozinha, encontra companhia nos escravos da sua fazenda. Uma traição na família desenvolve um ciclo de violência que muda a vida na fazenda localizada em Vazante – MG.
O filme de Daniela vende uma coisa que não consegue dar conta, coloca negros e a escravidão como pano de fundo de seu romance maçante e bobo. Daniela consegue com seu filme transformar, também, um período doloroso e vergonhoso da história do Brasil em uma peça onde o negro serve apenas como um objeto estético que reflete a estrutura social e compõe quadros em preto-e-branco do seu filme. Como se, para o povo negro, mais especificamente, essa ferida ainda não estivesse aberta e como se as desigualdades sociais não afetassem a maioria da população brasileira. Outra coisa me causou bastante incômodo em Vazante: a romantização da escravidão e da dor – ou pior, a naturalização disso.
No fim da sessão saí mais reflexivo do que quando entrei naquela sala, tive a certeza de que todas as críticas feitas ao filme fazem jus ao resultado entregue para o público. Penso que, mais uma vez, diretores transformam a dor do povo negro em um produto que não passa de algo feito para ser rentável, que não se questiona o teor provocativo que um filme desses pode ter e quão sensível ele é – tanto na sua narrativa quanto nas relações afetivas estabelecidas entre os personagens e que atores e atrizes negros/as nunca terão seu papel de protagonismo – pelo menos essa é a sensação que fica.