XIII PANORAMA INTERNACIONAL COISA DE CINEMA – DIA 4

Bárbara Carmo

Uma boa palavra para definir o quarto do dia do Panorama em Cachoeira seria: inesperado. O Cine Theatro Cachoeirano encontrava-se inesperadamente vazio para a sessão das 17 horas, tanto que os organizadores decidiram adiar em quinze minutos o seu início na esperança de preencher, pelo menos parcialmente, as cadeiras. A estratégia funcionou e durante o início de The Beast, filme que abriu a mostra, o público chegou a um número satisfatório, ou simplesmente não tão escasso. E é uma pena que a maior parte do público não tenha acompanhado o filme de Samantha Nell e Michael Wahrmann do começo ao fim, pois nós que estávamos em frente a tela desde os primeiros instantes fomos rapidamente encantados por Shaka (Khulani Maseko), um ator que sonha em interpretar Shakespeare em grandes palcos e fugir dos papéis estereotipados para homens negros como Othelo. Ironicamente, ele é o astro principal em um espetáculo encenado em uma vila cultural Zulu, no qual interpreta o rei da nação guerreira para entreter turistas brancos ávidos pela cultura africana – de modo controlado, é claro. Com críticas ácidas ao colonialismo, comercialização da cultura e até mesmo a dependência tecnológica, o curta de 24 minutos assume proporções épicas em seu monólogo final quando Shaka, proclamando Shakespeare, encara ao público com a sombria promessa tirada de O Mercador de Veneza “Será difícil, mas eu superarei o meu mestre”.

Torre, o segundo filme da mostra, continuou a nos surpreender. Elencando os relatos dos quatro filhos de Virgílio Gomes da Silva, militante morto durante a Ditadura Militar, embarcamos em uma experiência estética sobre a ausência ao nos depararmos com uma animação que se modifica em tela conforme os nossos narradores revisitam os dias de terror desde o desaparecimento de seu pai até seu exílio em Cuba, passando pela prisão da mãe, Ilda Martins da Silva, que curiosamente não narra a sua experiência como prisioneira política. Nádia Mangolini nos mantém na palma de sua mão do começo ao fim dos 19 minutos de seu curta, de uma beleza e melancolia devastadoras e que nos faz parar em choque diante dos créditos.

E encerrando a mostra competitiva nacional de sábado, La Manuela, de Clara Linhart, no qual acompanhamos a jornalista e professora franco-brasileira Manuela Picq durante os eventos que a transformaram em uma heroína das causas indígenas no Equador após sua prisão e deportação. Companheira do ativista Carlos Pérez, vemos Manuela como protagonista de uma história de amantes separados por forças do mal – neste caso, o presidente Rafael Correa e a ditadura de esquerda por ele instalada no país. Um relato próximo sobre a desilusão com a esquerda, a amizade e o afeto de um casal separado como punição por seu envolvimento nas causas de justiça social. A falta de público afetou a discussão pós filme, com poucas perguntas sendo feitas. No entanto, a presença de Manuela acarretou uma discussão sobre privilégios, corrupção de ideais e violência.

PANORAMA BRASIL

Cine Theatro Cachoeirano mal havia sido esvaziado da mostra anterior, quando o quarto dia da sessão Panorama Brasil teve início. Com basicamente o mesmo público, o silêncio imperou do início ao fim do longa enquanto éramos transportados de volta no tempo para o Brasil pré-impeachment.

As manifestações de 2013 foram um marco para a história nacional. Nunca antes tantas pessoas tomaram as ruas do país, conseguindo tanta atenção que a mídia brasileira conhecida por ignorar aquilo que não é interessante para sua agenda não pode encobrir. Em Operações de Garantia da Lei e da Ordem , nós revisitamos este período conturbado deum passado recente, cujas feridas ainda sangram. Se duvida, pergunte a Rafael Braga.

Montado a partir de vídeos de reportagens feitas pela dita “imprensa profissional” e vídeos gravados por manifestantes e jornalistas independentes, o filme de Julia Murat nos dá um passo a passo para a supressão dos direitos dos brasileiros. Vilanizar os participantes das manifestações, deslegitimar os movimentos sociais, intimidar e se necessário agredir não só os corpos, mas os direitos de quem usa se erguer contra o governo, está tudo lá, mostrado de forma dolorosamente didática. Se alguém ainda se pergunta “como chegamos a este ponto?” o filme dá uma resposta direta e reta, e nada agradável de se ouvir.

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