FESTIVAL DE CINEMA DE MIMOSO

Texto Flávio Reis

Material Audiovisual Fernanda Matos e Daniela Almeida

A estreia de um festival na região oeste da Bahia foi um marco para o nosso cinema. Abrir novos canais de contato entre realizadores e o público é mais do que uma necessidade de mercado, é um instrumento de propagação cultural. Assim nasceu o Festival Mimoso de Cinema, realizado na cidade de Luís Eduardo Magalhães, com duas mostras competitivas: a Mostra Baiana e a Mostra Nacional.

Durante meses, uma comissão assistiu e selecionou filmes com uma estética que dialogasse com o local de realização do Festival. Voluntários disponibilizaram tempo e esforço para que o Festival pudesse ser realizado, deixando traços de pluralidade tão fortes quanto as obras selecionadas.

Longe de ser unanimidade entre os presentes, mas sem qualquer demonstração de desrespeito às escolhas dos jurados, todos os filmes foram aplaudidos, em sinal de reconhecimento ao talento dos diversos realizadores.

Dentre os vencedores, destaco a impactante direção de arte e a primorosa fotografia de Icó – A História de João Valente e Zé Baixinho. O filme soube aproveitar bem as externas com planos médios e longos e uma profusão de cores que destoa do clichê estético que estamos acostumados, no que tange filmes ambientados no sertão baiano. Além disso, o filme tem um apuro na direção invejável. Seja no som direto, nos planos sequências ou nos jump cuts, tudo pareceu ter sido precisamente preparado para criar a atmosfera do filme, fugindo da conhecida máxima “corrige na montagem”. A sequência entre a queda de João Valente, e posterior expulsão da cidade, até o beijo de recompensa recebido por Zé Baixinho não são cenas soltas colocadas aleatoriamente, fazem parte de uma trama bem amarrada e desenvolvida com muita maestria.

O Sarau da Onça, registro documental de um movimento negro na periferia de Salvador, apresentou a força da poesia popular e os efeitos dela na vida de jovens negros muitas vezes em situação de risco. A periferia violenta e repleta de personagens de índole duvidosa foi substituída por uma reunião de jovens alimentando a alma. As movimentações de câmera, com desfocagens perceptíveis, sendo propositais ou não, mudanças bruscas de luz e cortes rápidos deram um tom experimental ao documentário, produzindo um efeito estético que transita entre um videoarte e uma matéria jornalística. Mas, muito maior que toda a análise técnica que podemos fazer sobre essa obra, há o resgate, através da poesia, da autoestima do jovem negro, pobre e periférico de uma cidade que se intitula Roma Negra, mas o exclui tão bem quanto qualquer outra cidade branca no mundo.

Próxima Parada – Suíça foi uma grata surpresa. O filme apresenta recortes singelos do dia a dia dos moradores de Vitória da Conquista fazendo coisas completamente comuns, e por sua narrativa sem firulas mirabolantes, cria empatia com o público. Apesar de ter sido premiado pela fotografia, o filme teve como ponto forte os diálogos, que remontam os primórdios da Nouvelle Vague e seus diálogos em torno de trivialidades. Fruto da viagem de ônibus feita por um estudante, o filme vai apresentando vários outros personagens da cena urbana local. Mesmo na cena em que dois personagens conversam em LIBRAS, a mise-en-scène é tão familiar que quase é possível compreender o diálogo. (até mesmo para pessoas, que como eu, são leigas em LIBRAS)

A luta das mulheres no campo por respeito e espaço é o ponto central da obra Alternância. Dirigido pela realizadora Geilane de Oliveira, o filme dialoga com demandas atuais e urgentes, e vai um pouco mais além: mostra que o machismo no mercado de trabalho é institucionalizado, pois mulheres com a mesma formação dos homens relatam discriminação de gênero no momento em que tentam se inserir no mercado de trabalho.

Corpostyledancemachine não é só difícil na pronúncia. O filme é difícil de deglutir! Sem pompa, sem cenários deslumbrantes ou uma narrativa convencional, o filme conta a história de vida de Tikal, um dos personagens mais conhecidos da cidade de São Felix, no Recôncavo Baiano. Lembranças de um passado remoto, das experiências adquiridas nas noites de Salvador, um corpo que conheceu a quebra de padrões, seja pela dança, seja pela crença em deidades de matriz africana, moldaram sua vida na luta contra a discriminação por orientação sexual. A atmosfera esfumaçada, a iluminação com cores gritantes, a narração quase incompreensível, seguida por legendas que parecem closed caption em caracteres finos demais para complementar as falas de Tikal, tão destoantes das técnicas convencionais que não poderia ter como resultado algo menor que o prêmio de melhor filme da mostra competitiva Bahia.

Destaco na Mostra Competitiva Brasil o excelente filme A Retirada para um coração bruto. Durantes anos somos expostos a filmes que se prendem às narrativas clássicas e fogem do transcendental, do absurdo. Nadar contra a correnteza e produzir um filme com elementos de poesia dadaísta não é algo comum de se ver. Mas fundir isso a um discurso que beira ao surto emocional de um homem solitário, mantendo um tom de comédia e complementado por uma música nonsense é realmente atravessar uma avenida movimentada de olhos fechados e chegar do outro lado ileso.

E o vencedor do prêmio de melhor filme A Menina Banda, pelo número de festivais que já participou e foi premiado, fala por si só. Constrói uma narrativa sólida e envolvente, misturando a montagem clássica com o experimental. Crenças populares tão presentes no dia a dia do interior do Brasil capturadas pelas lentes da câmera e transformadas num impressionante registro cultural do nosso país.

E o resultado do júri foram os premiados abaixo:

PREMIADOS I FESTIVAL MIMOSO DE CINEMA

MOSTRA COMPETITIVA BAHIA

  • Menção honrosa: “ALTERNÂNCIA” dirigido por Geilane de Oliveira,
  • Categoria criada pelo júri – Troféu de Expressão Política: “CABRA FÊMEA” dirigido por Ana Clara Oliveira
  • Melhor interpretação – “SARAU DA ONÇA” dirigido por Vinícius Eliziário
  • Melhor direção de arte – Elizângela Guimarães e Fred Sá Teles por “ICÓ – A HISTÓRIA DE JOÃO VALENTE E ZÉ BAIXINHO”
  • Melhor som – Rafael Beck por “NÃO FALO COM ESTRANHOS”
  • Melhor fotografia – Alice Barbosa e Kauan Oliveira por “PRÓXIMA PARADA: SUÍÇA”
  • Melhor montagem – Hilda Lopes Pontes por “NÃO FALO COM ESTRANHOS”
  • Melhor roteiro – João Marciano Neto por “SOB O OLHAR”
  • Melhor direção – Aragonez Fagundes e Simário Seixas por “ICÓ – A HISTÓRIA DE JOÃO VALENTE E ZÉ BAIXINHO”
  • Melhor filme – “CORPOSTYLEDANCEMACHINE” dirigido por Ulisses Arthur

MOSTRA COMPETITIVA BRASIL

Menção Honrosa – CARTA SOBRE O NOSSO LUGAR – MULHERES DO VILA NOVA (AP) dirigido por Rayane Penha

Menção Honrosa – REAL CONQUISTA (GO) dirigido por Fabiana Assis

Menção Honrosa de Atuação: Natasha Wonderfull – WONDERFULL – MEU EU EM MIM (AL) dirigido por Dário Junior

Melhor interpretação: Larissa Noel – PERIPATÉTICO (SP)

Melhor direção de arte: Iomana Rocha por A MENINA BANDA (PE)

Melhor som: Breno Furtado por PLANTAE (RJ)

Melhor fotografia: Breno César por A MENINA BANDA (PE)

Melhor montagem: Lucas Tomaz de Aquino por RAIZ (SP)

Melhor roteiro: Marco Antonio Pereira por A RETIRADA PARA UM CORAÇÃO BRUTO (MG)

Melhor direção (empate): Breno César por A MENINA BANDA (PE) e Marco Antonio Pereira por A RETIRADA PARA UM CORAÇÃO BRUTO (MG)

Melhor filme: A MENINA BANDA (PE) dirigido por Breno César

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