A PEQUENA GRANDE VIDA

Por Matheus Leone

Perante a escassez de recursos do planeta, um cientista norueguês apresenta uma solução: encolher a população, literalmente, para aproximadamente quatro centímetros por pessoa, de modo que elas precisem de menos recursos para sobreviver. Dez anos depois que a tecnologia vai a público, o que começou como uma estratégia de sustentabilidade se torna um negócio muito lucrativo, onde as minicidades são financiadas como condomínios de luxo para uma classe média buscando expandir seu capital acumulado, já que eles podem viver facilmente como milionários, ocupando um rico campo inexplorado para contrabandistas de todo o tipo. Acompanhamos o crescimento do downsizing (que é o título original do filme e também um termo para o corte de gastos em empresas pelo fim de uma parcela dos vínculos empregatícios) como um fenômeno cultural, da explosão à normatização, pela vida de Paul Safranek (Matt Damon) até o momento em que ele decide passar pelo processo e finalmente ter a vida que ele acha que teria se não tivesse que largar a faculdade de medicina para cuidar de sua mãe doente.

A embalagem de ficção científica, à primeira vista, parece ser uma grande mudança dentro das configurações de cinema estabelecidas por Alexander Payne, principalmente em escala. Seus filmes eram sempre dramédias sobre uma curiosidade em algum canto específico do mundo ou da vida de alguém, e não sobre um evento global. Porém, aos poucos, Pequena grande vida se expõe como uma espécie de síntese entre dois momentos distintos da carreira de Payne: a sátira política dos seus primeiros filmes (Ruth em questão e Eleição) e o afunilamento de todas as questões apresentadas através da experiência do homem americano médio branco e de meia idade, sua marca registrada no cinema desde As confissões de Schmidt.

Os lugares comuns desse tipo de abordagem seriam caminhar a história para uma conclusão cínica, sobre o mundo subjugado a um sistema econômico que encontra novas maneiras de continuar falhando com as minorias desprivilegiadas enquanto marcha rumo à sua completa insustentabilidade, ou tratar Paul como um típico white savior, cujas experiências com o diferente despertaram uma consciência humana “elevada”. Pequena grande vida explicita essas duas vias, mas a inclusão da personagem Ngoc Lan Tran (Hong Chau) torna possível outro caminho. Ngoc Lan é uma refugiada política vietnamita que foi encolhida contra sua vontade e trabalha na minicidade em que Paul vive como diarista nas mansões, enquanto mora na versão em miniatura das periferias.

O filme ironiza o clichê do branco que se apieda pelo diferente e o ajuda quando uma das ações benevolentes de Paul acaba prejudicando Ngoc Lan ainda mais, de forma que o obriga a reparar os seus erros trabalhando pra ela. Nessa dinâmica, é Ngoc Lan quem muda e dá novas oportunidades para a vida de Paul, não o contrário. A inversão dos papéis, no entanto, nunca deixa de lado o fato de que um personagem é um privilegiado, cheio de possibilidade de rumos para sua vida, e a outra, não. A crueldade cínica das sátiras políticas dos filmes do diretor se faz presente aqui pela conclusão de que talvez Paul nunca realmente tenha despertado para essa consciência elevada que as suas experiências trariam e que, como um bom protagonista dos filmes mais minimalistas de Alexander Payne, suas decisões foram tomadas pelo desejo de não estar mais só no mundo – que isso resultou em um final positivo, mesmo perante a iminência de um apocalipse, é puro efeito colateral de um ego remendado.

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