COBERTURA XIV PANORAMA INTERNACIONAL COISA DE CINEMA – SEGUNDO DIA

Brunna Arrais

Dando prosseguimento a Competitiva Cachoeira no segundo dia do XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema, temos uma crescente de narrativas sobre os diversos aprisionamentos em que os personagens estão inseridos, sejam essas prisões manifestadas na impossibilidade de demonstrar sentimentos, a falta de perspectiva de uma vida menos sufocante e monótona, permeada pela ausência de uma relação sólida com a filha, até as frustrações de um cineasta que perdeu o tesão em fazer cinema. Orgulho, de Ricardo Sena, brinca com as nossas conclusões apressadas e nisso se encontra a grande sacada do seu curta, somos levados a acreditar que o “orgulho” diz respeito ao personagem que, pressionado por outro, se mantém calado ante a certeza de que seu cão seria sacrificado. Os minutos passam e o percebemos deixar esse sentimento de lado e admitir que não consegue realizar o abate, ato executado por aquele que se mostra duro o tempo inteiro e, ao final, desaba, deixando suas lágrimas caírem.

Já o curta de David Aynan, Um Ensaio Sobre a Ausência, parece propor mergulhar sua plateia no mesmo desespero em que seu protagonista está inserido, um homem negro, com seus 40 anos e estudante universitário, vivendo precariamente e sem saber como conciliar sua vida e estar presente junto a sua filha, que mora em outra cidade e deixa claro a falta que sente de seu pai. Quando afirmo que somos, de fato, envolvidos pela trama, me refiro também às imagens que não demonstram nenhum interesse em ofertar qualquer tipo de alívio, Rômulo sempre parece estar só, ainda que rodeado de outras pessoas. Até em casa, lugar que aprendemos a enxergar como um porto seguro, há uma sensação constante de deslocamento do personagem, tudo parece muito pequeno e desolador.

Neste curta, a ausência grita de forma silenciosa a todo instante e assume formas distintas. A ausência de relações duradouras é facilmente perceptível na solidão que Rômulo está inserido, a ausência de uma vida digna está presente na impossibilidade de estar próximo da garota de quem é pai e também de poder presentear a filha com algo. Ao final, não é possível dizer se aquele homem realmente acredita que as coisas irão melhorar, a câmera fechada em seu rosto, que mantém um olhar perdido, recostado a janela do ônibus conclui o filme assim como o começou, asfixiante.

Ary Rosa e Glenda Nicácio fecham a sessão com o sensível longa Ilha, filme premiado na 51º edição do Festival de Brasília com o prêmio especial Zózimo Bulbul. Logo de início, somos jogados de supetão numa cena onde um dos protagonistas, Henrique (Aldri Anunciação), renomado cineasta baiano, se encontra amarrado e encapuzado em uma cadeira, enquanto que ao fundo ouvimos discussões sobre como a cena deveria ser enquadrada. Seu questionamento raivoso se tudo aquilo era uma brincadeira e a resposta dada com prontidão pelo seu sequestrador Emerson (Renan Motta) de que não, aquilo é cinema, ecoa por toda a trama.

O que me chama a atenção nesse filme, logo após a exibição dos curtas que dizem tanto sobre prisões pessoais, é a ironia presente no fato de que o cineasta sequestrado estava livre como há tempos não se sentia, a exigência de Emerson em gravar a história da sua vida de uma forma tão não convencional era exatamente o que Henrique precisava para se reinventar e despertar novamente a sua vontade de fazer cinema, retomar o tesão perdido entre sua sucessão de filmes enlatados e certinhos, tão destoantes do início de sua carreira.

Com um elenco majoritariamente negro, Ilha é uma joia do cinema baiano, assim como o foi Café com Canela, dos mesmos diretores. Feliz escolha da curadoria em trazer narrativas tão importantes e que nos tocam de forma especial, principalmente considerando o momento político em que nos encontramos, onde a resistência pode ser exercida em diferentes campos, a sétima arte não é somente daqueles que a escolhem, mas também daqueles que não foram escolhidos por ela, como dito nos agradecimentos finais do longa.

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