COBERTURA DO XIV PANORAMA INTERNACIONAL COISA DE CINEMA – SÉTIMO DIA

Matheus Leone

O último dia do Panorama 2018 em Cachoeira começou com uma sessão especial fora da competição do filme nigeriano B for Boy, parte da Mostra de Cinemas Africanos realizada em Salvador. O filme é um drama sobre Amaka (Uche Nwadili) que é pressionada pela família do seu marido, Nonso, a gerar um herdeiro homem. Ela está grávida e o casal já possui uma filha, mas dúvidas quanto ao gênero do bebê faz com que Iaw (Ngozi Nwaneto), a sogra de Amaka, insista para que seu filho tome uma segunda esposa, para que exista um herdeiro homem para seguir com o nome da família. A pressão da família só aumenta quando o único irmão do marido morre, coincidindo com um aborto espontâneo de Amaka. Por conta da idade do casal, essa criança era a única esperança do desejo da sogra ser atendido, sem que haja um segundo casamento. Sendo assim, Amaka decide manter segredo o aborto e tentar conseguir, por meios ilegais, um bebê.

A presença da diretora Chika Anadu foi fundamental para que o contexto em que a história se passa fosse melhor absorvido pelo público. Sua intenção era fazer um recorte da classe alta nigeriana e trabalhar como a opressão de algumas tradições opera acima das capacidades econômicas, principalmente em mulheres. Ela também comentou sobre a cena cinematográfica da Nigéria, onde imperam produções rápidas, baratas e de forte apelo popular. B for Boy se constrói na base de algumas dessas características, notável principalmente na simplicidade da mise-en-scène, mas com uma temática mais desafiadora.

Simplicidade é também uma palavra que, em um primeiro momento, descreve bem Kris Bronze, o primeiro filme da competitiva do dia, porém o filme Larry Machado é um dos mais inventivos deste ano no festival. Filmado em um estilo que parece querer se apresentar como documentário, o filme vai, sutilmente através das escolhas de planos e do uso do som, revelando a sua encenação. O filme se passa em um salão de bronzeamento de fundo de quintal, gerenciado pela Kris do título, e, em paralelo, o dia de um homem sem uma relação imediata com os acontecimentos do salão. A história vai tratar de juntar as duas tramas, mas o que é fascinante no filme é a atmosfera naturalista tão bem orquestrada ao longo de uma narrativa sem grandes conflitos.

O filme a seguir, Onze minutos, de Hilda Lopes Pontes, é um raro thriller baiano. Ele introduz a trama com uma cartela apresentando a estatística de que a cada onze minutos uma mulher é violentada no Brasil e, a partir daí, o público embarca em uma fatídica corrida de táxi que a protagonista (Laís Machado) toma ao aeroporto. A conversa na viagem se desenvolve de maneira trivial, até mesmo amigável, mas o clima estabelecido pelo letreiro inicial e pela música de tensão é o suficiente para deixar o público em alerta para cada movimento do taxista (Rafael Medrado), até que a violência anunciada finalmente acontece. A forma como o filme resolve esse acontecimento é, no mínimo, inusitada e levanta uma série de questões (narrativas e morais) que o filme deixa em aberto. Introduzir o filme com um dado real para abandonar esse realismo no desfecho é uma escolha ousada e que polariza as reações à obra.

Essa discrepância entre a tragédia do real e a construção de uma fantasia também está presente em Mesmo com tanta agonia, de Alice Andrade Drummond. O filme transporta essa dicotomia para a vida da protagonista, Maria, que sai do trabalho na cozinha de um restaurante para a festa de aniversário da sua filha, mas tem a trajetória brevemente interrompida por uma morte que acontece nos trilhos do metrô em que ela estava. O filme se desdobra em três momentos: o trabalho de Maria, a viagem de metrô e a festa de aniversário, cada um operando em um registro distinto – o último, por exemplo, é quase todo filmado através das câmeras de celulares das meninas na festa, que por sinal acontece numa limusine. Esses momentos, no entanto, não se organizam como uma construção de um discurso, então quando vemos Maria pensativa no fim da festa, é mais como se o filme estivesse nos acusando junto com ela de seguir em frente com festa mesmo com a morte, ao invés de refletir sobre essa insensibilidade com a vida humana.

Para finalizar, o Panorama de Cachoeira espelha a sessão de abertura com dois documentários baianos: o curta Poesia Azeviche, de Ailton Pinheiro, e o longa Orin: música para os Orixás, de Henrique Duarte. Assim como Sarau da Onça e Bando, Um filme de, os filmes do encerramento apostam no modelo clássico de entrevistas, mas com resultados inferiores. Talvez por focarem em grupo que se expressa melhor através da música do que pelo discurso em prosa, as entrevistas dos filmes de Pinheiro e Duarte possuem qualidades menos performáticas (ou mesmo empolgadas) dos meninos e meninas do sarau ou dos atores do Bando. Como no primeiro dia do Panorama 2018 em Cachoeira, também aconteceu problemas técnicos no meio da sessão. Desta vez foi em Orin que travou no meio de um dos talking heads e foi de um corte seco para a tela totalmente vermelha, repetindo a fala “não fica assim tão rígido” em looping por alguns segundos até voltar ao normal. Era justamente o conselho que os realizadores de documentários sobre uma forma tão livre de expressão como a música deveriam ter escutado.

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