Por Lucas Bonillo
Acompanhei as duas competitivas do terceiro dia de Panorama Internacional Coisa de Cinema. A primeira sessão às 17h, contou com os curtas-metragens O sorriso de Felícia, Sua invariável gentileza toca meu complicado coração, A praia, Liberdade e Naufraga, enquanto a segunda das 19h, com Reforma, A profecia diaba e o longa-metragem Bixa travesty.
Competitiva Cachoeira – 17 horas
Com direção de Pedro Maia, A praia aproveita muito bem os silêncios e respirações dos personagens – das ofegantes de uma crise de ansiedade até os suspiros após uma ligação telefônica – para dar uma atmosfera asfixiante ao filme. A fotografia, que enclausura os personagens em um formato quadrado de vídeo e planos fixos, e a montagem, que concatena os enquadramentos em rígidos blocos bem marcados de ação, são bons exemplos disso. Já Sua invariável gentileza toca meu complicado coração destaca-se por seus monólogos reflexivos sobre as relações humanas, mas peca em utilizar desse lirismo para romantizar a depressão do protagonista. Apela no fim para uma incômoda reprodução da violência gráfica de forma irresponsável e gratuita. Ainda assim, leva a refletir sobre como atrair a atenção do outro em tempos tão difíceis.
Liberdade e Náufraga tratam de identidade de maneiras distintas. O primeiro nos apresenta Abou, um imigrante guineense, e Satsuke, imigrante japonesa, que vivem em uma pensão no bairro da Liberdade, em São Paulo. Reprocessa os diversos fragmentos que compõem a identidade de cada um dos personagens através de suas relações familiares e culturais. Em Naufraga, a memória é histórica: negros se jogavam ao mar dos navios negreiros por não aceitarem se render a uma cultura europeia branca. O paralelo estabelece-se com imagens do turbante, dos cabelos crespos, do próprio barco e do contato com o mar.
Finalizando, Sorriso de Felicia trás um ambiente de festa, em que todos possuem um sorriso em seus rostos maquiados. Um longo plano sequência dá certa pompa ao ambiente e aos personagens no início do curta-metragem. A ideia era fazer um filme onde toda e qualquer palavra falada fosse musicada, o que forçou o filme a fugir dos diálogos e dizer mais pelas imagens, enquadramento e atmosfera sonora.
Competitiva Cachoeira – 19 horas
Na segunda sessão, das 19h, os curtas-metragens trouxeram corpos não normativos, do homem gay e mulher-trans, de suas vivências e pontos de vista particulares. O curta-metragem Reforma apresenta a vida de Francisco a partir das conversas que ele mantém com sua amiga, seus amores e as relações que tem com o próprio corpo. Ao tratar da vida amorosa, o curta tem um grande mérito na representação das relações homoafetivas. É engraçado ver como uma cena de sexo ainda constrange no cinema, e o quão necessária ela se torna por isso. O público fisicamente se mostra desconfortável.
A profecia diaba insere-se num contexto maior de vídeo performance. Traz muitos elementos visuais fortes, uma relação com o mar e o sangue. Com o fogo, a praia, a tocha. Começa no nascimento dentro da terra, para as duplicações de imagem em várias, dissidências. Traz na estrutura o nascimento de um corpo-dissidência ate sua aceitação, entrega, e descoberta como performer. As marcas, marcadas no corpo de Leonardo Costa, reavivam a sensação.
Por fim, o longa-metragem Bixa travesty, de Kiko Goifman e Claudia Priscilla, acompanha a trajetória de Linn da Quebrada por meio de seus próprios relatos. Perpassa por diversas questões, como a difusão de uma heterossexualidade compulsória, a solidão da mulher trans, a pobreza e romantização da pobreza. O longa-metragem intercala relatos documentais em que a artista fala com a mãe e amigas, com pedaços de seus shows. Linn da Quebrada tem tamanha força que puxa o filme consigo. Um filme também sobre afetos.