Videocast de Daniel Sal
Por Yann Waise
O quinto curta do precoce cineasta cearense Leonardo Mouramateus traz consigo, agora, a simplicidade da vida, porém, exposta na carne crua. História de uma pena é mais do que um filme sobre poucos jovens confinados em um ambiente escolar.
O que aparentava ser apenas mais uma tentativa frustrada de remodelar Clube dos Cinco, inicialmente, torna-se, à posteriori, uma história muito mais complexa do que o prestigiado filme cult americano. É claro, a referência é inegável, mas é tão leve quanto uma fragrância sutil na atmosfera. Não há hipertipos. Não existe o Nerd, o Atleta, a Gótica… Existem alunos, mais importante que isso, humanos.
O filme de Mouramateus nada mais é do que uma desconstrução da hipocrisia. Retratada tanto no professor paulista de literatura – nem professor é de fato – que acaba no Ceará temporariamente para conseguir sobreviver, já que não tem tempo nem de escrever, quanto nos alunos, que sem pudor algum expõem um sistema educacional sem sentido, em que não há comunicação possível; e assim ocorre em milhares de escolas brasileiras. Apenas levando, empurrando com a barriga, sem ninguém realmente absorver nada dessa experiência.
Os diálogos são todos pautados na construção e adensamento das personagens. A maconha no carro serve para mostrar a profusão de sentimentos que cabiam em Wagner. A complexidade que transborda o apenas “ficar” com uma desconhecida em uma festa. O apaixonar-se por uma nuca. A cena, aparentemente descartável, da dispensa do alistamento, funciona magistralmente ao trazer explicitamente a hipocrisia. O discurso falado, que os garotos precisam repetir, não é, nem de perto, o sentimento que cada um guarda em si. Quer algo mais hipócrita do que fazer um juramento dizendo se sacrificar pela pátria se preciso for, quando o que você quer mesmo é que todo esse sistema de alistamento obrigatório se exploda? Na cena, essa divergência sobre o expressado e o suprimido é refletido nos rostos sem expressão dos meninos, que não parecem acreditar no que dizem, mais ainda no rosto de um dos amigos que não se aguenta e acaba rindo de tamanho absurdo e no rosto de Wagner, que parece desolado, por estar fazendo algo contra seus valores, contra seus princípios.
Por sinal, esse é um dos pontos mais fortes do filme. A atuação. O curta é todo baseado (alguns diriam apoiado – no sentido de muleta) na atuação. Pergunto-me o quão diferente seria se fosse outro ator se não Jesuíta Barbosa, e todas as suas nuances e linguagem corporal que enriqueceram tanto o personagem. A história, apesar de ser sobre uma aula, acaba sendo dominada pelo personagem de Jesuíta, Wagner, que toma o curta para si, com seus diálogos. A coerência entre o rapaz que expressa pelos olhos a desolação ao mentir para si mesmo em voz alta e que confronta o professor de maneira nada ortodoxa, é incrível.
Ao final do filme, lê-se o poema “História de uma pena”, de Sara, uma aluna aparentemente aplicada, que possui cabelos que “flutuam” no ar tal qual uma pena. Porém, para mim, fica claro que o filme não trata da pena. Nem sobre seu trajeto, ou sobre a pretensa beleza efêmera digna de Manoel de Barros, mas, sim, sobre o que vem em seguida. O professor pergunta “Isso aconteceu com você mesmo?” e a resposta “Mais ou menos”. Esse “Mais ou Menos”, essa distorção, essa quebra, a divergência entre o sentido e o demonstrado, é sobre o que se trata o curta de Mouramateus.