XIII PANORAMA INTERNACIONAL COISA DE CINEMA – DIA 5

Flávia Novais

Estando a primeira vez no Panorama, o XIII Panorama Internacional coisa de cinema, estava ansiosa para assistir os filmes e prestigiar o evento. Talvez pelo fato do evento ter repercutido, esperava um público maior, mas isso não tirou minhas expectativas do que estava prestes a vir.

Comecei assistindo o único filme da sessão Panorama Brasil, Não devore meu coração, de Felipe Bragança. O filme é uma releitura da rivalidade que se tem entre brasileiros e paraguaios, que disputam poder no território que se dá na fronteira entre os dois paísesi. A trama tem como principal envolvido um adolescente, chamado Joca, um branco brasileiro que se apaixona por uma índia paraguaia chamada Basano, que, a princípio, não corresponde a esse amor pelo fato de Joca não pertencer a sua cultura, muito pelo ao contrário, o adolescente representa pessoas que matou o seu povo, os guaranis. Então esse sentimento de Basano pode ser lido como um ato de resistência cultural. Acho estranho o fato do filme ter como foco principal a menina índia, que possui uma sabedoria, uma esperteza, que luta por aquilo que acredita e tem como objetivo a vingança. Há um incomodo como esse tipo de personalidade vindo de uma adolescente de apenas quinze anos. Isso mostra que o filme mescla a realidade com fantasias e mitos.

O filme se desenrola com os verdadeiros motivos dessas rivalidades. Existem duas gangues de motoqueiros perigosos, uma representada por brasileiros, que tem como um dos integrantes o irmão de Joca, Fernando (Cauã Reymond). Um cara revoltado e violento, que nunca aceitou as condições de ter se mudado para aquele lugar, Bela Vista, uma cultura acentuadamente paraguaia. Fernando encontra como refúgio, participando da gangue dos calendários, que tem como líder um paraguaio, em que a filosofia desse grupo é somente aproveitar a vida, mas sempre há suspeitas que matam índios pela região. É partir de então que a gangue dos paraguaios, decidem fazer vingança, ou melhor, justiça.

Joca acredita que o amor pode ser a cura para esse conflito, e, diante tanta confusão, acaba se perdendo pelos encantos da Basano, não medindo suas consequências. No fim do filme, o que pode ser chamado de justiça, é feita. A menina índia continua com sua firme resistência e o Joca tem seu coração ‘devorado’.

A sessão competitiva nacional IV contou com três filmes, que gerava em torna da temática mulher, cada um deles abordando pontos fundamentais, de como são as vistas e tratadas.

Meninas formicidas foi o primeiro filme da sessão, dirigido por João Paulo Miranda Maria, e, apesar do título do filme, não imaginava que se tratava de meninas que trabalhavam de forma precárias, matando formigas. O filme realiza uma análise um pouco metafórica, de como as mulheres são tratadas na sociedade, tanto no mercado de trabalho quanto no meio social, isso é bem trabalhado quando se percebe os pequenos desfocos nas cenas. E é isso que ocorre com a protagonista do curta. Sem diálogos e com o semblante triste, a adolescente não vive para ela, não tem suas escolhas e nem o seu poder de fala. Vive com os costumes que são impostos, como é o caso de ter um filho, sem condições de mantê-lo. O final do filme é o ponto chave para decifrar todas as questões passadas pela menina, menina esta que sofreu abuso sexual e tem como ‘obrigação’ manter a vida normal.

O segundo filme, filme-catástrofe de Gustavo Vinagre, é um belo curta, que não só fala sobre as questões da mulher como traz à tona questões políticas. Quando se fala de catástrofe, imagina-se um desastre natural, mas a abordagem do filme vai muito além de um desastre natural, aborda a catástrofe social. Tendo Angélica como protagonista, ela é uma pessoa que luta com as questões cotidianas, como é o caso de não se manter em um relacionamento abusivo, assim como escreve sobre o lugar da mulher na indústria cinematográfica, que na maioria das vezes está em segundo plano. É interessante analisar o papel da Angélica, que tem hábitos das mulheres idealizadas, é simpática, sonhava um com príncipe encantado, tem uma casinha azul, mas tudo isso não a faz se tornar uma mulher subordinada. Outro personagem que vai ter destaque no filme é a chaveira Lúcia, que acaba se identificando com as questões abordadas por Angélica, iniciando uma linda amizade. Na última cena, percebe-se a verdadeira catástrofe, enquanto o namorado de Angélica tenta abrir a porta, a ventania exagerada surge pela janela. Com a música Travessia, cantada por Elis Regina, o filme se encerra, e sente-se nesse momento como a personalidade masculina machuca a alma de uma mulher e sendo por isso a luta necessária constantemente para alcançar a nossa realidade.

Talvez este tenha sido o filme que distou da temática feminina, comparado aos dois últimos, no entanto tem como questão principal o amor doentio de uma garçonete. Filme de Gabriela Amaral Almeida, Animal cordial, é um longa de gênero suspense, e, apesar da tensão do filme, foi bacana assistir uma produção brasileira com várias doses de terror e ao mesmo tempo algum humor nos gestos e falas dos personagens. O Filme é passado somente em um local, o restaurante do Inácio (Murilo Benicio), que faz de tudo para seu estabelecimento ter sucesso. Isso inclui diversos assassinatos, depois de um assalto em seu restaurante, onde a garçonete Sara (Lucina Paes) o acoberta por estar doentiamente apaixonada pelo patrão. É admirável observar a estética do filme, cenas que tem tons escuros, prevalecendo a cor vermelha, restaurante nada moderno, que combina com a tensão de horror que é o filme. As cenas são recheadas de muito sangue, o que causou um clima de pânico, ao mesmo tempo que causava estranheza, diante do comportamento doentio dos dois personagens, Inácio e Sara.

Perceber e refletir as críticas sociais que cada filme apresentou foi meu sentimento pós saída da sessão e pensar principalmente como somos levados a sermos algo, devido ao que é imposto pela sociedade. Acredito que os filmes expressaram suas narrativas de forma um pouco exagerada, isso não quer dizer que seja ruim, talvez mostre que vivemos exageros/absurdos nas questões sociais, e que elas necessitam serem mudadas, sendo assim, construirmos nossa autonomia para realizarmos a nossa própria história.

 

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